O Verdadeiro Papel do Instrutor de Voo, por Joaquim Pedro d’Orey

O Verdadeiro Papel do Instrutor de Voo, por Joaquim Pedro d’Orey

“Cabe ao instrutor aeronáutico abraçar sua função”

Você está nas missões pré solo do curso de Piloto Privado de Avião e está com dificuldade de pousar o avião. No través do ponto de toque reduz o motor, aplica flap 10° e começa a descer. Na curva base avista a pista e antecipa a curva para a final. A velocidade está cravada, aeronave compensada, tudo está indo perfeitamente bem na sua aproximação. Você cruza a cabeceira na velocidade perfeita. Começa a quebrar o planeio puxando o manche. Você sente a aeronave afundar e bater no chão. Escuta um barulho e vibração forte. O INVA assume os comandos, recolhe o flap, avança a potência e arremete. Você percebe que ainda não está dominando o arredondamento da aeronave e seu voo solo parece estar distante.

O pré solo é uma parte do treinamento em que os alunos normalmente manifestam dificuldade, afinal de contas estão prestes a decolar uma aeronave sem a companhia do instrutor pela primeira vez. Mais especificamente o arredondamento na hora do pouso costuma ser a manobra mais desafiadora para alunos iniciais. Acertar a força e o momento necessário de puxar o manche e fazer o arredondamento exige sensibilidade e coordenação. O instrutor, por sua vez, sente que o seu trabalho está sendo feito, já que ele fez um briefing com o aluno explicando como realizar o arredondamento, o aluno confirmou a ele que havia entendido e durante o voo o instrutor constantemente usou inputs como ‘Traz! Traz’ e ‘Para a mão!’ nos momentos certos. Na sua perspectiva, não há mais nada que ele possa fazer. O próximo voo do instrutor também será com um aluno que está na fase pré solo do treinamento. Ele repete todo o ritual feito com o primeiro. Dessa vez, o aluno assimilou melhor as informações e acertou a manobra. E assim segue a instrução: o INVA repete a mesma lição para todos os alunos, alguns assimilam com mais facilidade e outros nem tanto.

A verdade é que nenhum aluno é igual. Suas personalidades distintas fazem com que aprendam o conteúdo de maneira diferente. Não é surpresa, portanto, que haja dificuldade no processo de aprendizagem aeronáutico. Além da atividade ser complexa e exigir preparação e esforço, os alunos estão reféns do modelo didático do instrutor ser adequado a sua forma de aprender. É como se cada aluno fosse um modelo de parafuso: alguns são do tipo allen, outros sextavados ou atarraxante. Se o instrutor trabalhar somente com um tipo de parafusadeira, ele só será eficaz com um tipo de aluno. A grande arte de ensinar está na sensibilidade e experiência de oferecer ao aluno uma caixa de ferramentas inteira de explicações, demonstrações e estímulos diferentes para que ele saia do voo tendo alcançado os objetivos. Mais do que isso, a sensibilidade e capacidade de entender o aluno na condição de aprendiz é imprescindível, já que, a princípio, como ninguém sabe quais ferramentas serão efetivas, esse processo é empírico e de tentativas, erros e acertos.

Mas como pensar fora da caixa e oferecer aos alunos as ferramentas corretas para que sejam desenvolvidas as competências requeridas? Essa é a grande pergunta que os instrutores devem se fazer. Se o nosso aluno está com dificuldades na hora do arredondamento, quem sabe ele precise de uma explicação diferente da manobra? Talvez precise de um estímulo visual, um vídeo mostrando o movimento do manche na hora do pouso. Talvez ele não esteja assimilando os inputs verbais de ‘Trazer’ e ‘Parar a mão’ na hora do voo, pode ser que outros inputs funcionem. Talvez o aluno esteja com dificuldade de manter o nariz da aeronave alto na hora do toque devido a uma dificuldade de uma manobra anterior a essa, o Estol, e ele deva relembrar o Estol antes de seguir para o pouso. O nosso aluno pode até estar com dificuldade de assimilar o arredondamento devido à ansiedade e ao nervosismo que a proximidade do voo solo gera e, então, precise da ajuda do instrutor para resolver esse impasse. Essa realmente é a hora do instrutor fazer o seu trabalho. Colocar o aluno no centro do processo de ensino, entendê-lo e oferecer as ferramentas certas. É essa a hora de ensinar e de aprender.

Uma célebre frase diz que fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes é insanidade. De maneira análoga, falar o mesmo conteúdo da mesma maneira para alunos diferentes não é sinônimo de ensino. Quando vemos o ensino como um processo unidirecional no sentido instrutor – aluno, estamos falando sobre um assunto. Quando realmente entendemos o aluno e estabelecemos uma conexão, passamos a ensinar.

‘Telling is not teaching and learning is not having being told.’ – Madeline Hunter

Cabe ao instrutor aeronáutico abraçar sua função: sair da caixa e construir um arsenal de ferramentas voltadas para os alunos, porque o treinamento não é sobre a maneira com que o instrutor sabe ensinar, mas sim sobre a maneira com que o aluno vai aprender.

 

Joaquim Pedro d'Orey
Instrutor de Voo – STS Escola de Aviação Civil
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