Maio foi melhor que abril, mas retomada é lenta
Quatro meses após a revelação dos primeiros casos de COVID-19 no País, o transporte aéreo brasileiro ensaia uma recuperação lenta e gradual dos voos.
Depois de uma queda de 74,6% no total de voos (no segmento das cias aéreas, cerca de 90%), do fechamento de inúmeras bases de operação e da interrupção de serviços a diversas cidades, a indústria se reinventa, buscando adaptar-se às exigências prementes de segurança sanitária e aos novos protocolos requeridos.
O novo normal já é uma realidade na aviação. Em meio aos cortes de custos motivados pela queda abrupta das receitas, os operadores do transporte aéreo “reinventados” buscam agora retomar paulatinamente suas atividades. Na busca de um objetivo comum de equilíbrio financeiro e normalização das operações.
Maio foi melhor que abril, mas retomada é lenta
O total de voos no Brasil voltou a cair em maio no comparativo com o mesmo período do ano passado. O resultado já era esperado. Conforme dados da Subdivisão de Estatística do Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea (CGNA), foram apurados 46.189 movimentos aéreos ao longo do mês. Redução ainda expressiva (70,5%), distante dos 156.457 voos de maio de 2019.
O resultado, porém, já é superior ao de abril, quando a queda fora maior, 74,6%. A recuperação foi puxada pela aviação geral (executiva). De um recuo de 47,2% em abril (14.198 ante aos 26.907 do mesmo mês em 2019), passou a uma redução de 27,9% em maio (20.002 voos, ante os 27.753 de maio do ano passado).
Os percentuais de redução da aviação comercial (segmento das companhias aéreas) permaneceram praticamente inalterados: queda de 89.5% em abril (10.977 voos ante 104.741) e de 88% em maio, quando houve 13.587 voos. Bem afastados dos 113.627 movimentos aéreos de maio de 2019.
Aviação Geral e Comercial reagem de modo distinto
Não é novidade que o transporte aéreo está entre os setores mais impactados pela pandemia de Covid-19. Há um consenso de que, mesmo com a retomada, os números deste ano ainda permanecerão muito abaixo dos anos anteriores. Em entrevista recente a uma emissora de TV, o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, afirmou que essa é a mais dura crise já sofrida pela aviação comercial. Para Sanovicz, “levaremos anos para recuperar integralmente o volume de tráfego de passageiros e a malha aérea pré-crise”.
De todo modo, os dados revelam que o pior já passou e há uma tendência de que a retomada para a aviação comercial ganhe relevo em junho. A Gol opera agora com cerca de 100 voos diários, ante os 68 da chamada malha aérea essencial de maio. Um incremento de 47%. A Azul anunciou que passaria de 70 a 168 voos diários no mês corrente. Mais que o dobro.
A Latam também prevê um crescimento gradual de suas operações. Em junho, conforme o anúncio da empresa, serão em média 50 voos por dia. Em maio havia sido 35. A Latam, que recentemente entrou com um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos – embora a subsidiária do grupo no Brasil não esteja envolvida no processo de reestruturação de dívida sob a proteção do Capítulo 11 da lei de falências norte-americana – operava 750 voos diários no País antes da crise.
Não à toa, especialistas vêm debatendo sobre um natural rearranjo na operação de rotas e destinos das aéreas ao longo do ano. A retomada das operações definitivamente não remete a um cenário pré-existente, mas a uma nova configuração das operações.
Já começou. No último dia 16, Azul e Latam anunciaram em conjunto um acordo de codeshare que vai conectar 50 rotas em suas malhas domésticas. Essa “operação conjunta”, em vigor desde então, também incluiu os programas de fidelidade TudoAzul e Latam Pass. Seus membros agora podem acumular pontos no programa que escolherem ao voarem em uma das companhias.
Para aviação geral, a retomada, como atestam os números, está sendo mais rápida. Não bastassem as particularidades inerentes ao segmento, de operação mais simples e sem os empecilhos das aglomerações, a demanda por táxi aéreo e compartilhamento de aeronaves pode crescer até mesmo pela redução das ofertas nos voos comerciais e pela menor exposição a riscos de contaminação de seus clientes. Ao menos, àqueles menos impactados pela depressão econômica de extensão ainda imprevisível.
Retomada brasileira acompanha a Global
A recuperação no Brasil, ainda que tardia, acompanha a retomada global. É o que confirma o CANSO ATM Traffic Analysis Report da Civil Air Navigation Services Organisation (CANSO), que representa os provedores de serviços de navegação aérea no mundo, sediada em Amsterdam, Holanda.
De acordo com a edição mais recente do relatório, publicada em 18 de junho, a média do total de voos diários em todo o mundo, para as semanas iniciando em 31 de maio e 7 de junho de 2020, foi de 48.100 e 51.100 voos diários respectivamente. Um declínio de 54% em relação ao mesmo período de 2019, quando mais de 110.000 voos eram operados diariamente.
No comparativo com os números de seis semanas atrás, entretanto, quando os níveis de tráfego aéreo atingiram o ponto mais baixo desde o início da pandemia, já se observa um aumento de 62%. Para chegar aos níveis de 2019, porém, ainda será preciso chegar a um aumento de 330%.
À medida que as restrições internacionais começam a serem aliviadas, ocorre o crescimento no número de voos. Já são 8 semanas de aumentos graduais e constantes nos movimentos aéreos mundiais.
A retomada dos voos, observa-se, é impactada pela retomada da atividade doméstica em sua maior parte. O relatório expressa que o tráfego entre as nações permanece muito baixo. Não será recuperado enquanto não houver uma reabertura efetiva do tráfego internacional. O que ainda pode levar algum tempo.
Emitido duas vezes por mês, os relatórios da CANSO consolidam dados do tráfego aéreo global por meio de uma parceria com a empresa americana Aireon, que opera um sistema global de rastreamento e vigilância de aeronaves, utilizando receptores baseados em satélite para monitorar as transmissões de aeronaves utilizadoras de ADS-B (Automatic Dependent Surveillance Broadcast).
Readequação e otimização do Espaço Aéreo Brasileiro
Uma redução da ordem de 70% nos voos terminou por gerar, evidentemente, um cenário absolutamente distinto para a circulação aérea brasileira. Em alguns casos, onde a demanda antes superava as capacidades, hoje está mais aliviada. Isso termina por dispensar certas exigências, que não mais impactam na eficiência e segurança das operações. Eis a condução oportuna de uma readequação da navegação aérea.
Recentemente, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) implementou um plano especialmente destinado à readequação das operações aéreas no País, mas já com vistas à retomada e ao crescimento paulatino das operações ao longo do ano.
O documento, em vigor desde 1º de junho, expressa que “dado o caráter transitório do cenário atual, fez-se necessário um planejamento de ações no intuito de equilibrar a capacidade do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB) ao aumento gradual de demanda que, certamente, ocorrerá nos próximos meses, bem como às necessidades específicas da atual conjuntura”.
O plano é uma edição extraordinária, desenvolvido com a colaboração de operadores aéreos e aeroportuários. Discorre sobre as principais medidas implementadas no início da pandemia e aquelas que serão adotadas no cenário de retomada das operações, entre elas:
- Definição de um mecanismo de acompanhamento estreito da demanda e de possíveis limitadores da capacidade.
- Otimização do espaço aéreo de forma que as restrições usualmente existentes em função da alta demanda sejam suspensas temporariamente, ou, até mesmo, eliminadas em função deste novo cenário.
- Busca pela viabilidade de execução dos perfis ótimos de voo planejados pelos usuários.
- Manutenção dos índices de atraso em níveis adequados − em função da demanda − e de possíveis restrições da capacidade.
- Priorização dos projetos atualmente em curso que tenham como objetivo a melhoria do desempenho do SISCEAB, perseguindo cronogramas e entregas.
O plano consolida as ações tomadas em apoio à atividade nessa retomada, dada a ciência dos problemas enfrentados durante a redução significativa da malha”. Entre as medidas, estão a diminuição do tempo de voo, que redunda em menos combustível e menos emissão de CO2, a adoção de rotas aleatórias nas regiões de informação de voo (FIR – Flight Information Region) Atlântico e Amazônica e de proas diretas que serão dadas às aeronaves assim que decolam até os fixos do próximo aeroporto.
Nas palavras do diretor-geral do DECEA, Tenente-Brigadeiro do Ar Heraldo Luiz Rodrigues, “houve todo um redimensionamento da malha aérea para que estas ações fossem possíveis de modo que algumas áreas restritas fossem liberadas. O objetivo é dar mais agilidade”.
Resultados já contabilizados
Apesar do planejamento de ações correntes e futuras – expressos no “Plano de Operações Retomada COVID-19”, em vigor desde o dia primeiro de junho – iniciativas destinadas à otimização das fases de rota (aerovias) e de chegadas e saídas das Terminais Aéreas mais movimentadas do Brasil, já resultaram em uma redução de trechos e tempos de voo significativa para percursos de voos distintos.
No mês de abril, as três maiores companhias aéreas brasileiras obtiveram em conjunto, uma economia de combustível equivalente a cerca de duzentos trechos de voo entre os aeroportos de Guarulhos/São Paulo e do Galeão/Rio de Janeiro, conforme as reduções expressas em milhas náuticas (NM), tempo (Min), combustível (FUEL) e Dióxido de Carbono (CO2) expressas abaixo.
Projeções para Retomada dos Voos
Em um estudo realizado pelo DECEA, a organização ratifica a dimensão dos impactos nos movimentos aéreos do País em 2020 e projeta três cenários distintos de recuperação da atividade para os próximos anos: baixa, média e alta.
O trabalho é embasado a patir da extração de informações de fontes como o BIMTRA (Banco de Informações de Movimento de Tráfego Aéreo), para movimentos dos aeródromos, e o SETA Millennium (Sistema Estatístico de Tráfego Aéreo), relativo à circulação aérea nas regiões de informação de voo (FIR Brasília, Curitiba, Recife, Amazônica e Atlântica) brasileiras A estes somam-se inúmeras variáveis demográficas, socioeconômicas, históricas e os reflexos da pandemia na circulação aérea mundial.
De acordo com o levantamento, tomando como base as projeções atuais, a recuperação deverá ocorrer de modo mais intenso em 2021 e mais gradualmente nos anos seguintes, até 2025. Em 2020, a previsão de redução no total de movimentos aéreos dos aeródromos brasileiros é de 55%, conforme gráfico abaixo.
A Nova Aviação
De todo modo, qualquer previsão é, inevitavelmente, influenciada pelos contextos do momento de sua produção. E como observado em 2020, eventos atípicos fortuitos podem ocorrer ao longo do caminho.
Há, porém, neste instante, uma esperança embasada em dados e projeções bem fundamentadas de que o pior já passou. Após o choque inicial, atores esferas distintos do transporte aéreo vêm buscando se readaptar ao novo normal da aviação e os resultados começam a se revelar nas estatísticas de tráfego aéreo.
Uma vez que a crise atual não encontra paralelo na história recente, mais do que uma readaptação, os operadores aéreos precisarão reinventar-se. E as melhores práticas da indústria só serão efetivamente definidas à medida que a nova realidade esteja mais clara.
Uma vez reinventada, a nova aviação estará ainda mais forte para enfrentar, no futuro, outras crises do gênero e, mesmo, outras que ainda não conhecemos.
Por ora, decolagem autorizada.
Daniel Marinho
Editor/ Redator
danieldhm@decea.gov.br
Fotos
Fábio Maciel e Luiz Eduardo Perez
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