“Não existe receita pronta” – mas algumas medidas podem minimizar o impacto dessa crise.
A pandemia provocou no cenário aéreo uma crise, que pode ser considerada como uma das maiores já vivenciadas pelo setor até hoje. Os voos nacionais e internacionais foram drasticamente reduzidos – alguns destes até interrompidos, muitos aviões pararam de decolar e estão estacionados pelos aeroportos do Brasil, bem como grande parte das tripulações estão em terra, sem voar. É um cenário de incerteza, diante de um futuro bem diferente das expectativas que se tinham para um setor considerado estável. Vale ressaltar que essa situação é sistêmica e não exclusiva ao Brasil.
Passados mais de quatro meses, ainda não se tem um sinal claro de quando a economia será retomada. Há empresas com pedido de recuperação judicial e outras companhias operando muito aquém da sua capacidade; os centros de treinamentos e as oficinas de manutenção também estão operando com uma demanda significativamente baixa em relação ao período anterior à crise.
E como fica a segurança de voo no meio desse contexto?
Embora as empresas aéreas consigam cumprir suas obrigações quanto a manter os treinamentos de seus colaboradores em dia e a manutenção programada de suas aeronaves, algumas outras questões não podem ser sistematicamente programadas e facilmente controladas. Estamos falando das questões de fatores humanos envolvidas neste cenário, que demandam um olhar mais atencioso e cuidadoso para essas questões.
Estamos nos referindo a pessoas, que como seres individuais e únicos, possuem as mais variadas maneiras de enfrentar situações de crise. Não há como estabelecer uma previsibilidade, mas é possível estabelecer estratégias de enfrentamento que possam amenizar o impacto da situação no desempenho pessoal e profissional, trazendo seus reflexos positivos para a segurança de voo.
Hoje, o que pode impactar a segurança de voo em termos de fatores humanos?
O sentimento de incerteza em relação ao futuro, o receio de perder o emprego, a possibilidade de redução salarial e a mudança do padrão de vida que, entre outros fatores, podem desencadear interferências na qualidade de vida dos aeroviários, provocando impactos, inclusive, no sistema biológico. Nesse cenário, o sono é um dos fatores que pode ser afetado mais diretamente. Quando estamos preocupados com alguma situação, ansiosos frente a um problema, é comum ficarmos tão aprisionados aos pensamentos a ponto de não conseguir dormir bem. Ao considerar que tripulantes são habitualmente submetidos a escalas variadas de trabalho que podem provocar alterações fisiológicas do sono, uma acentuação de dificuldades de conciliar ou manter um sono restaurador e de qualidade pode gerar ou agravar condições clínicas comprometedoras do desempenho humano.
Interferências na alimentação e falta de atenção e cuidado com outras questões de saúde também podem ser observados. O que isso tem a ver com segurança de voo? Tem tudo a ver, uma vez que funções executivas, tão necessárias para o bom desempenho operacional, podem ser diretamente afetadas por condições inadequadas de saúde.
O que pode ser feito para manter os níveis aceitáveis de segurança de voo?
“Não existe receita pronta” – mas algumas medidas podem minimizar o impacto dessa crise. É preciso compreender que as pessoas lidam de maneiras distintas e de acordo com os valores que adquiriram ao longo da vida, bem como com os recursos que lhes são disponíveis. Por isso, o que se pode fazer para amenizar impactos negativos desse momento, no que se refere ao aspecto individual, varia de pessoa para pessoa. Ainda assim, algumas ações paliativas podem auxiliar, como:
– Cuidar da saúde física e mental
– Estabelecer uma rotina
– Fazer uma desintoxicação de informações
– Realizar atividades prazerosas
– Buscar canal aberto com a empresa
– Estudar possibilidades viáveis para o futuro
– Em caso de necessidade, buscar ajuda profissional
Esse cenário está sendo vivido coletivamente, o que implica o reconhecimento de que muitas pessoas que são próximas possivelmente estão passando pelas mesmas dificuldades e incertezas em relação à vida profissional nesse momento. Assim, no que tange ao aspecto psicossocial, poder contar com colegas de trabalho pode representar um apoio diferenciado, pois são pessoas que conhecem a realidade operacional e da empresa como você.
Obter informações sobre o que está sendo oferecido por sua empresa, o sindicato e/ou as associações das quais você participa pode ser um meio de vislumbrar alternativas para lidar com os desafios impostos pela crise, assim como ampliar perspectivas para o momento pós-crise.
Além disso, não se restrinja somente ao contato com pessoas de seu ambiente de trabalho. Outros grupos e atividades sociais, mesmo que executadas de modo virtual ou com distanciamento social, são uma possível forma de relaxar, descontrair e melhorar sua qualidade de vida.
No que se refere ao aspecto organizacional, salienta-se a necessidade de que medidas preventivas e mitigatórias sejam adotadas, a fim de promover um adequado gerenciamento da crise instaurada nesse momento. A manutenção de canais de comunicação no âmbito organizacional consiste em uma medida fundamental para que haja maior transparência e impacto das ações adotadas pela empresa, o que pode contribuir para a redução do nível de ansiedade do quadro de colaboradores e fomentar um clima de segurança em relação às medidas protetivas adotadas para aqueles que se mantém em operação.
Além disso, o momento pede que práticas e processos associados às operações aéreas executadas sejam cuidadosamente revistos e planejados nesse momento, considerando as medidas protetivas necessárias e a oferta de um sistema de apoio que permita ao tripulante compreender como adaptar-se a esse novo cenário, reportar situações que entenda estarem comprometendo seu desempenho e atuar de forma proativa e cooperativa frente às demandas presentes no seu cenário atual de trabalho.
Quais cuidados na retomada de atividades pode contribuir para níveis adequados de segurança de voo?
Individualmente: É preciso considerar que a frequência com a qual desempenhamos determinadas tarefas é um fator relevante para a manutenção de nossa proficiência técnica. Assim, estar afastado um período das atividades ou executando-as em menor frequência demanda uma dedicação pessoal para manter-se atualizado na retomada das atividades.
Estudar conteúdos relacionados à sua operação ou atividade pode auxiliar no preparo para a execução de suas tarefas. Faça o “voo mental” (e isso vale para pilotos, comissários, mecânicos, equipe de solo): recorde os passos e procedimentos necessários que lhes são exigidos nas suas rotinas de trabalho.
Em equipe: Sempre que possível, em equipe, compartilhe conhecimentos coletivamente e apoie-se em práticas confiáveis: a realização de briefings e debriefings para identificação de perigos e ameaças nos contextos de operação; a prática de cheques cruzados (crosscheks) para conferência dos procedimentos; e, ainda, a valorização da qualidade da comunicação (o que, como e quando comunicar).
Na organização: Oferecer oportunidades de capacitação e treinamento pode ser uma das estratégias mais válidas para auxiliar os profissionais na retomada das atividades com efetividade e segurança. Além disso, esse momento pode exigir a revisão ou aprimoramento dos processos organizacionais voltados ao acompanhamento de pessoal, gerenciamento de escalas e identificação de ameaças de contextos mais críticos de operação, levando em conta a experiência recente e a familiaridade dos profissionais com determinados contextos.
Fonte:CENIPA
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JOSELITO PAULO DA SILVA
01/10/2020, 05:33Parabéns Simone! Como sempre contribuindo com a divulgação de informações e conhecimentos necessários ao público específico e também ao pessoal que está entrando nesse segmento. Isso é muito importante! Que Deus abençoe e muita saúde. Saudações Sipaer
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