Latam não quer Azul

Latam não quer Azul

Gol e Tam dominaram o mercado brasileiro de aviação civil no início dos anos 2000. Duas décadas depois, a possibilidade de a história se repetir, desta vez com uma nova formação, levanta a discussão sobre o futuro do setor no período pós-pandemia.

Projeto de consolidação do mercado aéreo levanta a discussão sobre o futuro das empresas no País e os impactos no bolso dos passageiros.

Crédito: Claudio Gatti

“O consumidor será prejudicado. A quantidade de oferta vai diminuir e o preço terá alta. O benefício será apenas da Azul” Jerome Cadier, CEO da Latam Brasil. (Crédito: Claudio Gatti )

Gol e Tam dominaram o mercado brasileiro de aviação civil no início dos anos 2000. Duas décadas depois, a possibilidade de a história se repetir, desta vez com uma nova formação, levanta a discussão sobre o futuro do setor no período pós-pandemia. O segmento foi globalmente afetado. No Brasil, o cenário foi pior porque não houve combate planejado à pandemia, nem mesmo compra de vacina no momento certo. Mais que o pós-pandemia, no entanto, o cenário nacional pode ser drasticamente alterado sob a crescente especulação de aquisição das operações domésticas da Latam Airlines Brasil pela Azul Linhas Aéreas. Se confirmado, o negócio vai resultar na formação da maior aérea do País.

As discussões a respeito do tema tiveram início com o anúncio da Latam de encerrar o codeshare (compartilhamento de voos) com a própria Azul na última semana do mês passado. Além disso, a consolidação do setor seria uma tendência no período pós-crise sanitária. “A Azul está emergindo desta crise em uma posição de liderança em termos de liquidez, recuperação de malha e vantagens competitivas”, disse John Rodgerson, CEO da companhia. “Estou confiante de que estamos na melhor posição para buscar alternativas estratégicas neste momento.”

As declarações do executivo serviram de base para um relatório do Bradesco BBI, divulgado no começo deste mês. O banco de investimento classificou como “muito provável” a fusão e revelou que, em até 90 dias, a Azul pode fazer uma proposta para adquirir as operações domésticas da Latam Brasil. A exemplo do restante do grupo, a Latam Brasil entrou no ano passado com um processo (o “Chapter 11”) de recuperação judicial nos Estados Unidos por causa de dívida de US$ 18 bilhões. Segundo análise do BBI, os credores da Latam podem solicitar que a opção de venda seja incorporada ao plano de reestruturação que será apresentado à Justiça americana em meados de setembro. A Azul, segundo uma fonte, mantém conversas com credores da Latam, além de ter contratado consultorias especializadas em aviação para tentar viabilizar o negócio.

A Azul está emergindo da crise em uma posição de liderança em termos de liquidez e recuperação de malhas” John rodgerson, CEO da AZUL.

A questão tem um impeditivo, no entanto. A Latam não quer. Jerome Cadier, CEO da companhia, destaca que a operação brasileira não está à venda. O executivo aponta que caso o negócio aconteça a Azul será a única beneficiada. Segundo ele, o consumidor, principal interessado no assunto, acabaria prejudicado por causa da concentração do setor e a consequente falta de competitividade. “Controlando mais o mercado você consegue fazer com que a quantidade de oferta, que é o volume de assentos disponíveis e de aviões em atividade, seja mais racional”, disse o executivo. “E racional quer dizer o quê? Que a quantidade de oferta vai ser menor e que o preço será maior. Por isso o benefício apenas para a Azul.” Um cenário que nunca foi muito diferente nos céus do País. Por três motivos: sempre houve a concentração em poucas empresas; existe baixa competitividade de ‘slots’ nos principais aeroportos; e, claro, a tributação.

Cadier, de toda forma, cobra uma análise mais profunda em relação às consequências de uma consolidação do mercado aéreo para a cadeia no geral. “Claramente haverá uma concentração nada benéfica para o desenvolvimento da aviação que queremos”, disse. No Brasil o índice de transporte da aviação civil é de apenas 0,5 passageiro por habitante por ano. No Chile é o dobro. E nos Estados Unidos, 2,5. Cinco vezes mais. “Temos que pensar em como crescer, em como ter mais oferta e não menos.” Ele diz que há espaço para as três no mercado.

Apesar de o último ano ter se revelado trágico para a aviação mundial, com redução de quase 70% na demanda de passageiros e de 61% nas receitas segundo a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata), as companhias Latam, Gol e Azul agora já operam mais destinos e voos. “Não é uma situação em que o mercado ou as empresas estão doentes e precisam eventualmente de salvação. As três vão sobreviver. E vão continuar crescendo”, disse Cadier. “E é melhor que três empresas disputam agressivamente o mercado e não apenas duas.”

POLÍTICA EM CENA Como tudo que envolve questões macro ou microeconômicas no País tomba para a política, o deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE) já entrou na história. Preocupado com uma possível concentração de mercado, o parlamentar fez um requerimento para a realização de uma audiência pública para debater os efeitos de uma eventual compra da Latam Brasil pela Azul. O pedido já foi aprovado e a data será agendada. “Os preços podem aumentar em razão da falta de concorrentes”, afirmou. A questão é que já existe um organismo, chamado Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), preparado para discutir justamente esse tipo de tema.

Ainda assim, os líderes do Ministério do Turismo, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) e do próprio (Cade) foram convidados a participar da agenda de Bismarck. Procurados, o Ministério do Turismo e a Anac não se manifestaram. A Abear não comenta “por se tratar de uma questão individual de cada empresa”. E o Cade disse que não fala sobre casos em tese. Para o órgão, manifestações da autarquia são realizadas “por meio de pareceres, notas técnicas, estudos ou decisões”.

Na visão do advogado Thiago Carvalho, especialista em aviação civil e sócio da ASBZ Advogados, em um universo ideal o negócio não seria bem-vindo, por diminuir a competitividade no setor. No entanto, “por não estarmos em um universo ideal, a fusão é um preço razoável a se pagar”, disse, por tratar de sobrevivência, de manutenção da malha aérea, da conectividade do País, da preservação de empregos e da continuidade e regularidade de um serviço essencial e de interesse público.

Membro da comissão de direito aeronáutico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Carvalho revelou acreditar na capacidade de recuperação da Latam. No entanto, afirmou que, considerando o Chapter 11 e a pressão dos credores interessados em receber o que a empresa deve a eles, é “razoável considerar que uma negociação conduzida diretamente entre a Azul e os principais credores possa pressionar e influenciar na decisão de venda da operação brasileira da Latam”, disse.

Divulgação

“As oportunidades de empregos seriam reduzidas para os tripulantes” Ondino Dutra, presidente do sindicato nacional dos aeronautas.

Quem acompanha de perto as discussões sobre o tema é o comandante Ondino Dutra, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA). A entidade representa 25 mil profissionais no Brasil. O dirigente acredita que o negócio seria aprovado pelo Cade diante do viés liberal do governo federal, mas deixa claro que a concentração de mercado diminuiria as opções para os usuários. “E as oportunidades de empregos, em diferentes empresas, também seriam reduzidas para os tripulantes.” Dutra afirmou que “a fusão pode ser benéfica ou pode incorrer em demissões ou perda de direitos, é preciso acompanhar de perto.”

CHAPTER 11 Sem perder o foco, a Latam mantém o cronograma para sair do Chapter 11 no segundo semestre deste ano. A empresa fez uma estimativa do dinheiro necessário para passar pela crise. “Nos foi disponibilizado um empréstimo de US$ 2,4 bilhões. Já pegamos US$ 1,1 bilhão e, agora, teremos acesso a US$ 500 milhões. Sobrarão ainda US$ 800 milhões. Temos caminhado corretamente”, disse o CEO Cadier. Ele destacou a redução em pelo menos 30% do custo estrutural da companhia no último ano, após medidas como a terceirização dos serviços de solo e a renegociação dos contratos de leasing por pelo menos dez anos. “Vamos supor, eu pagava 100 e agora serão 60 nos próximos dez anos desse contrato.” As iniciativas, segundo ele, vão ajudar a Latam a sair mais forte do período de recuperação judicial. “Esse é o nosso grande trunfo, porque a saída da Chapter 11 virá com agressividade de crescimento decorrente do baixo custo da operação.”

A demanda no segmento nacional chegou este mês a 63% do que era antes da pandemia, agora com média de 310 voos diários. Em julho, a previsão é de 75%, puxada pelo período de férias escolares. As rotas internacionais ainda crescem timidamente diante do cenário de restrições a brasileiros em muitos países. As 26 rotas operadas pela empresa chegaram a ser suspensas no primeiro mês da pandemia. Atualmente, são 11 voos diários para 11 destinos.

Enquanto aguarda a reabertura gradual dos mercados internacionais ao Brasil, a Latam tem investido nos voos de carga para incrementar os negócios. A procura pelo serviço está 20% acima do constatado no ano passado. “Somos o maior operador cargueiro da América do Sul”, disse Cadier. A companhia tem 11 aviões dedicados ao segmento, número que chegará a 21 nas próximas semanas. Na mesa, os dados estão colocados. E a Latam deixa claro seu ponto de vista. Uma decisão que envolve vários players, além das empresas, desse mercado globalmente sempre estressante e delicado. Especialmente para o passageiro.

 

Fonte: Isto é
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