Fadiga Humana e a Segurança Operacional na Atividade Aérea. Por Cmt. Hilton Rayol

Fadiga Humana e a Segurança Operacional na Atividade Aérea. Por Cmt. Hilton Rayol

O Anexo 6 da Convenção Internacional da Aviação Civil – Convenção de Chicago, que dispõe que o Estado signatário deve definir regras para o gerenciamento da fadiga, baseadas em princípios e conhecimentos científicos para garantir um nível de alerta seguro nas tripulações

O presente artigo pretende demonstrar os fatos e acontecimentos que culminam em um acidente, condutas dos operadores da aviação, que constituem os ilícitos penais, além de extrair das investigações as recomendações de segurança de voo.

As investigações são conduzidas pelo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER)[i] que visa, exclusivamente identificar possíveis fatores contribuintes do referido acidente e, com isso, produzir recomendações necessárias ao aprimoramento da segurança de voo.

Nesse contexto aeronáutico, o trabalho objetiva abordar sobre o surgimento da fadiga humana que consiste em um fenômeno complexo e multideterminado, mesclando componentes objetivos e subjetivos que permanecem por longos períodos como condição latente nas operações. Neste cenário, suspeita-se que ocorreram muitos eventos críticos em que a fadiga pode ter sido fator contribuinte.

Recentemente, um incidente foi registrado quando um Boeing 737-800 da Ethiopian da aviação comercial africana realizando o voo ET-343, no trecho Cartum, no Sudão, para Adis Abeba, na Etiópia, no momento em que a aeronave deveria iniciar a descida onde um dos pilotos deveria ter liberado a chamada “janela de altitude” os dois pilotos estavam adormecidos, sendo acordados quando da desativação do piloto automático.

O Controle de Tráfego Aéreo (ATC) tentou contato rádio com a tripulação várias vezes, sem sucesso. Segundo a matéria que foi divulgada, os dois pilotos na cabine simplesmente não ouviram os repetidos chamados. Ao passar sobre a pista onde deveria pousar, a aeronave ainda estava a 37.000 pés de altitude, quando soou o alarme de desconexão (desligamento) do piloto automático.

A partir desse momento, os pilotos retornaram o controle do avião e iniciaram os procedimentos de descida que são estabelecidos nesta fase do voo, levando cerca de 25 minutos após terem passado sobre a pista que estava programado o pouso.

Um outro caso concreto envolvendo um piloto da companhia aérea italiana, ITA, que foi demitido por supostamente adormecer nos controles durante um voo de Nova York para Roma.

Segundo a matéria, o copiloto afirmou que estava em “descanso controlado”, e que o comandante do voo também ficou inacessível pelo controle de tráfego aéreo por pouco mais de 10 minutos com o aeronave voando no piloto automático. O piloto italiano pediu desculpas pelo incidente, e a empresa afirmou que “nenhuma evidência de qualquer atividade de voo externa” e reiterou que a segurança do voo não foi comprometida.

De fato, podemos atentar que nesses dois casos a questão da fadiga humana se faz presente. Se numa investigação não estamos procurando culpados, cabe aos profissionais da aviação não precarizarem o seu trabalho. E quando a saúde ocupacional do tripulante é afetada, isso acarreta numa preocupação quanto a existência de falhas em todo o processo que envolve a segurança do voo.

Além disso, as pressões existentes no ambiente da cabine, o piloto convive com uma rotina complicada e estressante, sendo submetido a longas jornadas de trabalho, diversas variações de turno, mudanças de fuso horário, dispondo de pouco tempo disponível para adaptação do ciclo circadiano.

Muitos fatores como a fadiga do piloto, exigências psicológicas e sobrecarga mental, parecem não receber tanta atenção quanto o equipamento e os procedimentos na promoção da segurança de voo. Nesta seara que envolve fatores humanos, importante ressaltar dois aspectos que estão presentes na atividade aérea, a precarização do trabalho do aeronauta, e os riscos ocupacionais, são fatores que podem contribuir para ocorrência de incidentes e acidentes aeronáuticos.

Neste cenário, importante ressaltar a evolução da legislação sobre o gerenciamento da fadiga humana, e com o avanço da atividade aérea, foram celebrados Tratados Internacionais com o objetivo de favorecer segurança, eficiência, economia e o desenvolvimento dos serviços aéreos.

O Anexo 6 da Convenção Internacional da Aviação Civil – Convenção de Chicago, que dispõe que o Estado signatário deve definir regras para o gerenciamento da fadiga, baseadas em princípios e conhecimentos científicos para garantir um nível de alerta seguro nas tripulações. A Convenção recomenda que o Estado deve estabelecer regulamentos para que o operador gerencie a fadiga de tripulação com base em limite de jornada de trabalho, tempo de voo e tempo de descanso, ou, aonde os operadores possuem autorização para utilizar em FRMS (Fatigue Risk Management System) para gerenciar fadiga, as regulamentações e este sistema (ANDRADE, 2017)[ii].

Em agosto de 2017, foi sancionada a Lei nº 13.475/2017[iii], que inovou no sistema legal brasileiro ao dispor expressamente sobre o Sistema de Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana.

De acordo com o art.19, § 2º da Nova Lei do Aeronauta, foi elaborado pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil)[iv] o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil – RBAC nº 117[v], estabelecendo limitações operacionais relativas ao gerenciamento da fadiga para tripulantes e operadores aéreo.

Assim sendo, considerando os aeronautas como agentes de segurança, é atribuído a esses profissionais uma conduta correta sempre seguindo os padrões operacionais que são previamente determinados pelos manuais e treinamentos, não correr riscos, ser disciplinado, exigindo uma relação homem/máquina perfeita, sendo que o ser humano é sabiamente frágil.

Sobre Cmt. Hilton Rayol

CONSULTOR AERONÁUTICO

Perito Judicial Aeronáutico. Mestrando em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade. Especialista em Direito Aeronáutico. MBA em Gestão Aeroportuária.

contato@hrayolconsultoria.com.br

61. 99291-9085


[i] BRASIL. Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Sipaer, 15 mar. 2017. Disponível em: https://dados.gov.br/aplicativo/painel-sipaer. Acesso em: 24 ago. 2022.

[ii] ANDRADE. Donizeti. apud SOUZA NETO, Jorge Fausto de. Análise dos aspectos jurídicos que envolvem a jornada de trabalho dos aeronautas: gerenciamento da fadiga humana e a segurança operacional. Gestão e Direito Aeronáutico-Unisul Virtual, 2020.

[iii] BRASIL. Lei nº 13.475, de 27 de agosto de 2017. Dispõe sobre o exercício da profissão de tripulante de aeronave, denominado aeronauta; e revoga a Lei nº 7.183, de 5 de abril de 1984. Brasília: Planalto, 29 ago. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13475.htm. Acesso em: 24 ago. 2022.

[iv] BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil. Formação de pilotos. Brasília: Anac, [20–]. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br. Acesso em: 24 ago. 2022.

[v] BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil. Regulamento Brasileiro de Aviação Civil: RBAC nº 117 – Emenda 00. Requisitos para Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana. Resolução nº 507. Brasília: Anac, 13 mar. 2019. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/rbha-e-rbac/rbac/rbac-117/@@display-file/arquivo_norma/RBAC117EMD00.pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil. Formação de pilotos. Brasília: Anac, [20–]. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br. Acesso em: 24 ago. 2022.

BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil. Regulamento Brasileiro de Aviação Civil: RBAC nº 117 – Emenda 00. Requisitos para Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana. Resolução nº 507. Brasília: Anac, 13 mar. 2019. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/rbha-e-rbac/rbac/rbac-117/@@display-file/arquivo_norma/RBAC117EMD00.pdf. Acesso em: 24 ago. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.475, de 27 de agosto de 2017. Dispõe sobre o exercício da profissão de tripulante de aeronave, denominado aeronauta; e revoga a Lei nº 7.183, de 5 de abril de 1984. Brasília: Planalto, 29 ago. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13475.htm. Acesso em: 24 ago. 2022.

BRASIL. Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Sipaer, 15 mar. 2017. Disponível em: https://dados.gov.br/aplicativo/painel-sipaer. Acesso em: 24 ago. 2022.

SOUZA NETO, Jorge Fausto de. Análise dos aspectos jurídicos que envolvem a jornada de trabalho dos aeronautas: gerenciamento da fadiga humana e a segurança operacional. Gestão e Direito Aeronáutico-Unisul Virtual, 2020.

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