Os desafios na formação de profissionais técnicos para a Aviação Civil. Por Cmt. Ivan Carvalho  

Os desafios na formação de profissionais técnicos para a Aviação Civil. Por Cmt. Ivan Carvalho   

É importante desenvolver desde o PP uma filosofia de padronização e doutrina operacional, através do uso de mentoria dada por pilotos experientes,

A aviação mundial pós pandemia, experimentou uma taxa de retorno às atividades de voos nacionais, internacionais e regionais acima da expectativa dos principais stakeholders, tais como as empresas aéreas, os fabricantes de aeronaves e peças ( OEM) e os administradores aeroportuários. Este movimento exponencial, deveu-se a uma demanda retraída da sociedade em retornar as viagens de turismo e mais recentemente as de negócios.

1) Cenário Atual

Apesar dos avanços nas plataformas de TI disponibilizadas atualmente e que oferecem inúmeras formas de comunicação a distância, além das opções de mídias sociais, a necessidade de rever e estar com as pessoas e fechar os negócios “ eye to eye” tem sido uma necessidade presente de uma sociedade reprimida pelos lockouts . Neste contexto, a previsibilidade dos diversos elos da aviação civil no que tange a taxa de retorno foi equivocada com uma resposta lenta em prover soluções a este cenário. No que tange às tripulações técnicas , vários pilotos experientes aderiram aos programas voluntários de aposentadoria oferecidos pelas empresas, como estratégia de redução de custos devido a limitação de suas malhas ,e com isto na retomada das atividades, a demanda mundial cresceu rapidamente estando na ordem de cerca de 500 mil novos pilotos em duas décadas. No Brasil este número é estimado em cerca de 100 mil pilotos nos próximos 5 anos. Este cenário se torna desafiador, uma vez que desde a formação inicial, que leva em torno de 4 anos a um custo médio de R$ 500K até o ingresso em uma empresa aérea e mais um período de 6 anos para que se torne um profissional (Cmte.) minimamente experiente, chega a cerca de 10 anos. Com relação aos técnicos e mecânicos de manutenção o efeito não foi diferente. Pela mesma razão de custo, reduziu-se o quadro de técnicos, inspetores e mecânicos, iniciando-se pelos maiores salários e consequentemente os mais experientes. Para se tornar um mecânico de manutenção aeronáutica (MMA), além da necessidade de se realizar um curso teórico com duração de cerca de 6 meses e prestar exame em banca da ANAC (hoje, pode-se obter até três carteiras de especialidade – célula, grupo moto propulsor e aviônica) haverá necessidade de comprovar estágio e realizar prova prática em empresa homologada (MRO).

Todas estas etapas levam cerca de 2 a 3 anos até que ele possa entrar em uma empresa aérea ou de manutenção. A qualificação final para que se torne habilitado a despachar uma aeronave após um serviço de manutenção leva em média uns 4 anos. Isto posto, podemos concluir que apesar de um custo menor na formação básica o tempo para se tornar um profissional de manutenção apto no mercado leva cerca de 6 anos. A perda súbita destes profissionais, que se afastaram precocemente do mercado sem ter havido oportunidade e tempo para uma passagem sucessória de experiência prática e de conhecimento, fatores vitais na profissão de aeronauta e aeroviário, será sentido ainda por alguns anos. No aspecto logístico o setor industrial enfrenta dificuldades com a escassez de peças (supply chain), motivado pela desaceleração da cadeia produtiva mundial, obrigando empresas a terem parte da frota no chão ( AOG) e em alguns casos aeronaves servindo como sobressalente “spare” de peças para que as demais não parem de voar. Da mesma forma os grandes aeroportos brasileiros apesar das privatizações, muitos ainda apresentam uma infraestrutura precária para suportar a crescente demanda. Mais notadamente os aeroportos regionais, que são vitais para o desenvolvimento de várias regiões do Brasil, e que permanecem carentes de investimentos, para que possam oferecer serviços aéreos de qualidade e segurança em suas operações. Todos estes aspectos acima quando considerados em conjunto, são vitais na cadeia de valor da indústria da aviação e principalmente no aspecto da segurança operacional, e em alguns casos, podem estar presentes nos diversos eventos (incidentes e acidentes) recentes na aviação geral brasileira que registrou em 2024 um número de 175 acidentes refletindo uma diferença de mais de 13% em relação a 2023 com 155 acidentes registrados.

2) Desafios históricos e atuais

Desde os idos de 1940, a formação de pilotos no Brasil se dava através dos Aeroclubes, entidades sem fins lucrativos e que gerenciavam com grande dificuldade as aeronaves a eles destinados por iniciativa do DAC. Poucas eram as entidades que tinham recursos próprios ( advindos do quadro de associados) para manter, comprar peças, revisar motores ou mesmo adquirir novos equipamentos. Apesar da iniciativa chamada “De Asas para o Brasil” capitaneada por Assis Chateaubriand em 1940, pouco se fez para manter, renovar ou fomentar novas iniciativas integradas até os anos 70, quando algumas iniciativas pontuais do DAC trouxeram novas aeronaves para os aeroclubes. Ao longo do tempo, o conceito de Aeroclube foi se estagnando e muitos desapareceram, vitimados por falta de recursos, obsolescência dos ativos, má gestão do bem público e até mesmo pela pressão imposta por administrações aeroportuários que visando o lucro a qualquer custo, cobiçavam sedes e hangares dos Aeroclubes, alguns centenários. Ao mesmo tempo que perdia-se a capacidade de formação prática, surgia, capitaneado pela VARIG e PUC-RS em 1993 o primeiro curso de bacharelado em Ciências Aeronáuticas cujo objetivo era prover uma melhor formação a uma nova geração de pilotos, focado na gestão, operação e segurança nas atividades de voo. Esta iniciativa por um curso de nível superior, veio no momento em que a EVAER (Escola VARIG de Aeronáutica) e a ESVAR (Escola Superior de Aviação Rio Grandense ) ambas criadas entre 1942 e 1943 e que eram as responsáveis pela formação teórica e prática de pilotos, engenheiros, técnicos e mecânicos encerravam suas atividades em 2006 em função da situação financeira da VARIG. Para este novo profissional piloto, que agora tinha uma melhor formação teórica, havia o hiato de onde complementar a sua formação prática, uma vez que a frota da EVAER havia sido desfeita e poucos aeroclubes no Brasil tinham a capacidade de oferecer um bom padrão para o treinamento prático.

A partir da efetivação da ANAC em março de 2006, e mais precisamente em 2007, foi lançado o conceito de CIAC, que trouxe requisitos padronizados para a formação teórica e prática para pilotos de avião e helicóptero. Atualmente temos cerca de 300 CIAC’s no Brasil, e apesar deste novo arcabouço os desafios por novas aeronaves, simuladores deúltima geração, redução no custo de combustível e sítios apropriados para a instrução de voo, continuam sendo pontos relevantes para obtermos um padrão condizente com o que se exige para um piloto profissional.

Neste contexto e abordando-se a frota de aeronaves de instrução disponível no Brasil, caracterizada em sua maioria, de aeronaves das décadas de 60 e 80, e que consequentemente possuem um custo operacional alto quando comparado a projetos mais novos (de célula, motor e eletrônica embarcada) conclui-se que é necessário  urgente renovação que possa trazer novas aeronaves com aviônica moderna e motores mais eficientes operacionalmente.

Algumas iniciativas no mundo, tem movido de forma positiva o ambiente regulatório em busca de soluções factíveis com o mercado, propiciando uma solução para uma renovação da frota de aeronaves de instrução. Neste cenário destacamos a iniciativa pioneira da ANAC em certificar as aeronaves leves (ALE) para a formação de piloto privado (PP), piloto comercial (PC) e voo por instrumento (IFR) sob capota. Esta iniciativa vem aquecendo omercado, com a introdução de fabricantes nacionais, com aeronaves novas que agregam uma suíte de aviônica moderna, e com um grupo moto propulsor eficiente. Esta nova opção de aeronave ainda contribui com um custo de manutenção reduzido pois exige apenas um MMA responsável, desde que tenha as carteiras de célula, motor e experiência comprovada pelo fabricante da aeronave ALE.

Um exemplo tem sido o CIAC SAFE (CIAC # 001 da ANAC), que foi o pioneiro em utilizar este tipo de aeronave com sucesso na instrução de pilotos, obtendo resultados operacionais e de segurança relevantes, tendo uma de suas aeronaves batido o recorde de horas voadas em instrução no Brasil em 2024 (dados do Registro Aeronáutico Brasileiro).

Apesar desta história de sucesso ainda se tem algumas etapas no caminho para a maior utilização das aeronaves tipo ALE, como a certificação “Full IFR” para instrução, removendo a restrição existente para o conceito IFR sob capota, o aumento do peso máximo de decolagem (PMD). Mesmo sendo as aeronaves ALE a grande opção para a renovação da frota de instrução no Brasil, ainda é necessário iniciativas para fomentar a cadeia que envolve os fabricantes nacionais e fornecedores de material aeronáutico para suprir este mercado e propiciar uma melhor formação básica dos pilotos. Mas não paramos por aí, pois não existe atividade aérea sem um adequado sítio aeroportuário que possa alojar os CIAC’s e Aeroclubes existentes. A realidade de hoje é caótica quando vemos vários administradores aeroportuários governamentais (federal, estadual e municipal ) ou até mesmo privados orquestrando limitações operacionais e até mesmo restringindo concessões a CIAC’s e Aeroclubes. Este comportamento predatório, se faz presente uma vez que, face as isenções regulamentares de taxas de pouso e outras por parte das escolas, estas não se tornam atrativas pois não geram receitas que agreguem números positivos em seus balanços financeiros. Enfim as autoridades aeroportuarias (AAL’s) só enxergam os CIAC’s e Aeroclubes como um problema a ser extirpado. Por outro lado pode-se acrescentar não menos importante, o custo do AVGAS (Gasolina de Aviação de alta octanagem) usada nos motores convencionais aeronáuticos. Apesar do Brasil ser um grande produtor de petróleo, este combustível deixou de ser produzido(refinado) no Brasil, sendo importado, o que eleva o custo da operação das Escolas de Aviação. Resumidamente estas são as dores atuais de qualquer CIAC ou Aeroclube que propicia formação aeronáutica no Brasil

3) Pensando Soluções & Iniciativas 

Seria muito leviano apenas apontar os problemas sem que todos os elos estejam comprometidos em elaborar um amplo plano para trazer soluções factíveis para o desafio da formação dos profissionais da aviação civil.

Formação de Pilotos e Mecânicos: • Os CIAC’s e Aeroclubes atuais devem se focar em uma formação integrada para o jovem que tem hoje a sua disposição muita informação, alguns com capacitação em Ciências Aeronáuticas , mas que nem sempre conseguem discernir o que realmente é importante na prática para seu futuro como piloto. Neste sentido é importante desenvolver desde o PP uma filosofia de padronização e doutrina operacional, através do uso de mentoria dada por pilotos experientes, aplicando-se os conceitos de gerenciamento de recursos humanos, ameaças e erros, associado a um modelo de avaliação por competências, onde não só as habilidades técnicas são monitoradas mas principalmente as não técnicas devem ser alvo de verificação ao longo do treinamento. Estes conceitos aplicados de forma integrada na formação de futuros profissionais, incluindo também o piloto desportivo sem distinção, irão propiciar um maior nível de proficiência ao piloto além de doutrina  e consciência de segurança operacional , fatores fundamentais para redução de eventos (incidentes e acidentes) com perdas humanas e materiais. Da mesma forma deve-se utilizar a mesma plataforma de ensino para formação de. mecânicos e técnicos aeronáuticos através de parcerias com as escolas já existentes além de convênios com Escolas Técnicas, SENAI, e contando com apoio das empresas aéreas, de manutenção e fabricantes (grandes e pequenos) para que se torne viável a realização de estágios, onde possam adquirir experiências enquanto desenvolvem seu aprendizado.

  • Aeronaves e Motores: A adoção das aeronaves ALE é uma grande realidade tanto do ponto de vista operacional, técnico como de segurança. Uma vez que adotam a opção por uma aviônica de última geração, serem equipadas com um grupo moto propulsor moderno e econômico (ROTAX) e principalmente por termos a opção de fabricantes nacionais, com reconhecida qualidade e até mesmo com aeronaves exportadas para outros mercados internacionais, isto se torna uma opção atraente para a renovação de frota de aeronaves de instrução. Outro detalhe importante no que tange aos motores ROTAX, é que estes operam na Europa e nos EUA com gasolina tipo “podium” com adição máxima de 10% de etanol (chamada MOGAS) e que poderia ser uma opção de redução de custo para os operadores e escolas, bastando haver uma iniciativa conjunta junto a ANP para o fornecimento deste combustível a nível nacional.

Sítios Aeroportuários: Uma forma • de propiciarmos um convívio harmônico entre os diversos Administradores Aeroportuários ( AAL) os CIAC’s seria atraves de uma política de redução de tributo ou mesmo ter no plano de concessão das entidades privadas , algum tipo de fomento para que a operação de Escola de pilotos ou mecânicos possa coexistir naquele determinado aeroporto. Hoje muitos condomínios aéreos privados estão surgindo e a mesma proposta poderia ser feita aos incorporadores, delimitando um número máximo de escolas , de forma a coexistir com o condomínio residencial.

  • Fomento: Um projeto de fomento desta magnitude não se faz sem um Plano de Negócios (BP) estruturado e que contemple os principais stakeholders. A aviação é um tema apaixonante e o Brasil tem em seu DNA não só um pioneiro – Santos Dumont, como também a 3a maior empresa aeronáutica do mundo. Somos um país que depende da aviação para sua integração territorial, e precisamos fazer com que mais brasileiros tenham maior acesso a este modal, e, portanto precisamos ter todos os elos fortalecidos (profissionais da aviação, fabricantes, empresas aéreas, empresas de manutenção e aeroportos) pois são todos elos necessários e complementares. Neste contexto o que falta para  os CIAC’ s e também aos fabricantes de aeronaves são opções de crédito de entidades financeiras que possam oferecer produtos como consórcios, linhas de financiamentos a juros acessíveis, repasse de subsídios , isenções tributárias , tudo isto orquestrado dentro de um grande programa nacional de fomento a aviação. Enfim pode-se descortinar um leque de opções que podem ser adotados neste sentido e acredito que isto possa ser tema inicial para uma grande discussão nacional.

Texto: Cmte. Ivan Carvalho – https://www.linkedin.com/in/ivan-carvalho-8733201/

Colaboradores: Eng. Pedro Furtado – https://www.linkedin.com/in/pedro-furtado-46a18913/

Eng. Eduardo Coelho – https://www.linkedin.com/in/eduardo-souza-coelho-12a692a8/

Fotos: CIAC Aeroclube de Santa Catarina

https://aeroclubesc.com.br/

INPAER

https://inpaer.com.br/

MONTAER

https://www.montaeraircraft.com/?lang=pt

 

 

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