Síntese do Trabalho desenvolvido em conjunto com Leandro Vivas, Adriana Furuya e Diogo Medeiros sob orientação do professor Raul de Souza como pré-requisito para a conclusão da Disciplina de Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional da Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Aeroportuária.
O objetivo deste trabalho é investigar e apresentar o fenômeno da incursão em pistas de aeródromos, bem como suas causas, riscos associados à acidentes aéreos, sua severidade, relação com a infraestrutura aeroportuária e, por fim, como preveni-lo. Esta necessidade surgiu devido aos inúmeros acidentes ocorridos, como Tenerife em 1977, Osmk em 1984, St. Louis em 1994, Quincy Airport em 1996 e Milano Linate em 2001.
Certamente, o planejamento da infraestrutura aeroportuária em relação à designação de pistas de taxi, sistema de auxílios visuais, ações efetivas no âmbito operacional com a torre de controle – TWR, a demarcação da(s) área(s) protegida(s) de pista(s) de pouso e decolagem – PPD e ainda fomentar a cultura de relato para que as ocorrências sejam registradas e promover o treinamento em segurança para os motoristas que circulam por estas áreas, podem impactar diretamente, de forma positiva, para a prevenção de possíveis tragédias.
CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE INCURSÃO EM PISTA
Segundo o RBAC 153 EMD 04 (Aeródromos – Operação, manutenção e resposta à emergência), vigente desde 11 de junho de 2019, a incursão em pistas de aeródromos ocorre devido à presença incorreta de aeronaves, veículos e/ou pessoas dentro do perímetro da área protegida destinada ao pouso e decolagem de aeronaves.
A área protegida, ainda segundo este regulamento, é toda a área destinada ao pouso e decolagem, incluindo stopway, a área de ambos os lados da pista, posições de espera para ingresso na pista, áreas de segurança de fim de pistas – RESA – e por fim, as zonas desimpedidas – clearway. Estas distâncias são estabelecidas pelo RBAC 154 EMD 05 (Projeto de Aeródromos), publicada em 18 de abril de 2019.
Vale ressaltar que, para que se caracterize a incursão em pista, o veículo ou a aeronave envolvidos no evento tem que necessariamente avançar na área protegida, com ou sem autorização da TWR. Outro ponto que merece destaque é que eventos envolvendo animais e/ou objetos não são considerados como incursão em pista.
Segundo este manual, a severidade de uma incursão em pista é dividida em quatro níveis (Figura 2-1 abaixo), que dependem das condições de tempo, meteorologia e da menor distância entre os envolvidos no evento.
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Segundo a FAA, a incursão em pistas pode ser classificada em três categorias envolvendo falha humana: Desvio do Piloto – PD – em que há o cruzamento da posição de espera sem autorização; Erro Operacional – OE – na ocorrência de uma autorização equivocada para pouso ou decolagem quando um veículo está fazendo inspeção na pista; Desvio de Motorista e/ou Pedestre – V/PD – caracterizado por avanço de uma equipe operacional sobre área protegida sem autorização da TWR.
Para classificar a severidade das ocorrências de incursão em pista, a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) disponibiliza em seu site o software Runway Incursion Severity Calculator – RISC. A partir dessa ferramenta, as classificações são padronizadas, possibilitando análises comparativas das incursões em pista de diferentes aeroportos, e até mesmo o estabelecimento de um indicador de segurança operacional com abrangência mais ampla.
2. SINALIZAÇÃO VIÁRIA HORIZONTAL OBRIGATÓRIA
2.1 SINALIZAÇÃO PARA POSIÇÕES DE ESPERA
“Sinalização viária” é qualquer marcação horizontal onde existe movimentação de veículos, equipamentos e/ou pessoas, seja dentro da respectiva área ou adjacente a esta. Segundo o RBAC 153.223, o operador do aeródromo deve atender as normas do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN e manter os números e letras legíveis para o entendimento dos motoristas de veículos, aeronaves e pessoas.
Para o atendimento das normas e dimensões específicas, o RBAC 154 dispõe de todas as dimensões obrigatórias, para posições de espera, interseção de pista de táxi e interseção em “T”. Na figura abaixo, podemos observar um exemplo de dimensionamento.
Segundo a Instrução complementar IS Nº 153-109 Revisão A da ANAC, existem três opções de sinalização horizontal para pontos de espera:
a) Padrão A ou caso 1: Durante o táxi, uma aeronave precisa esperar antes de ingressar numa PPD. (IS Nº 153-109, item 5.3.1.3.5).
b) Padrão B ou caso 2: Durante o táxi, existe mais de uma opção de táxi que intersecta uma PPD com operação CAT I. (IS Nº 153-109, item 5.3.1.3.5).
c) Padrão C ou caso 3: Durante o táxi, a aeronave precisa esperar para cruzar uma intersecção complexa ou congestionada entre pistas de táxi. (IS Nº 153-109, item 5.3.1.3.5).
2.2 SINALIZAÇÃO HORIZONTAL MELHORADA DE EIXO DE PISTA DE TAXI
Aplica-se quando uma pista de táxi possui conexão direta à pista de pouso e decolagem (PPD), objetivando indicar de forma antecipada aos pilotos que um ponto de espera de pista padrão A se aproxima. Em trechos considerados retilíneos, a sinalização deve situar-se no eixo da pista mantendo a distância constante das laterais em pontos curvilíneos.
2.3 LUZES DE PROTEÇÃO DE PPD
As luzes de proteção objetivam alertar os pilotos ou motoristas que estão prestes a entrar em uma PPD em uso. (RBAC 154).
As luzes de proteção de PPD, segundo o RBAC 154, p. 115, deverão ser instaladas em cada interseção de pista onde tenha sido identificado um hot spot de incursão em pista.
Segundo a ANAC, hot spot é local na área de movimento com um histórico de incidentes ou que apresenta potencial de risco de colisão ou de incursão em pista. Por isso, nesse tipo de local é necessária uma atenção maior pelos pilotos e motoristas, por tratar-se de uma interseção complexa entre pistas de táxi ou entre pista de táxi e PPD.
Ainda segundo o RBAC 154, as luzes de proteção de pista de PPD tipo A devem estar configuradas em ambos os lados da pista de táxi, obedecendo à distância do eixo da PPD não inferior à especificação da tabela C-6 do documento em questão (figura abaixo). Já as do tipo B devem estar localizadas transversalmente na pista de táxi.
O RBAC 154 prevê ainda que as luzes devem ser pares de cores amarelas. Em caso de necessidade de alterar o contraste quando estão ligadas ou desligadas, deverá ser instalada uma viseira para evitar a entrada do sol nas lentes. Quando estão ligadas, indicando que a pista de pouso e decolagem está em uso, o feixe de luz deve ser unidirecional e visível para o piloto da aeronave.
3. PROTEÇÃO DA ÁREA OPERACIONAL
Um sistema de proteção da área operacional é composto por investimentos em infraestrutura e procedimentos, levando em consideração o entorno urbano, composta por barreiras naturais ou artificiais e postos de controle de acesso. O objetivo é prevenir a entrada de animais ou demais objetos que sejam considerados perigo e controlar o acesso não autorizado de pessoas e/ou veículos. Além disso, o operador deve documentar, por meio de desenhos com boa representação gráfica, a localização exata dos elementos de infraestrutura que delimitam o perímetro da área operacional. (RBAC 153 EMD 04, p. 37).
4. SISTEMA DE ORIENTAÇÃO E CONTROLE DA MOVIMENTAÇÃO NO SOLO (SOCMS)
É responsabilidade do operador a implementação de um Sistema de Orientação e Controle da Movimentação no Solo – SOCMS – composto de infraestrutura e procedimentos integrados que prevejam como deve acontecer o deslocamento de veículos de todos os tipos e aeronaves nas diversas áreas do aeródromo e considerando todas as variáveis operacionais existentes, tais como as condições meteorológicas.
Esse documento visa à segurança de todas as movimentações contendo, por exemplo, as especificações e as garantias mínimas a serem observadas em eventos de visibilidade restrita, e a descrição das infraestruturas mínimas necessárias.
A importância da atenção às condições de operação de cada aeroporto para a elaboração do sistema é crucial para evitar eventos como incursão de pista. A observância das instruções, elementos e seus meios para a manutenção da segurança têm três premissas principais:
- Manter em qualquer parte da área de movimento um fluxo ordenado e seguro para o tráfego de aeronaves e veículos.
- Auxiliar na prevenção de incursão inadvertida ou não autorizada de aeronaves, pessoas ou veículos em pista de pouso e decolagem.
- Auxiliar na prevenção de colisões que envolvam aeronaves, veículos, equipamentos, pessoas ou objetos na área de movimento.3 (RBAC 153 EMD 04, p. 38)
5. ACORDO OPERACIONAL PARA PREVENÇÃO DE INCURSÃO EM PISTA
Os requisitos e procedimentos estabelecidos pelo SOCMS devem ser definidos pelo operador do aeródromo e pelo órgão ATS em Acordo Operacional, contendo os meios e procedimentos necessários para a coordenação de todas as atividades relacionadas ao fluxo de aeronaves, veículos, equipamentos e pessoas na área de movimento e a responsabilidade de cada um dos entes envolvidos, buscando prevenir incursão em pista e evitar incidentes ou acidentes na área de movimento. (RBAC 153 p.39).
Devem ser registrados e estabelecidos requisitos de prevenção nas situações de acesso, trânsito e permanência de pessoas, veículos e equipamentos na área protegida, bem como acesso e cruzamento de pessoas, veículos e pessoas na PPD aberta ao tráfego aéreo. (RBAC 153 EMD 04, p. 41)
6. TREINAMENTO DOS PROFISSIONAIS
A RBAC 153 EMD 04 estabelece também que, o operador deve implementar treinamentos visando à segurança operacional de solo para todos os profissionais envolvidos, sob o Programa de Instrução de Segurança Operacional de Aeródromos – PISOA.
Este programa deve estar vinculado a cada tipo de credenciamento do aeródromo, possuir previsão de atualização técnica ou validade específica e possuir conteúdo programático capaz de atingir os diversos públicos alvo do aeródromo.
Os treinamentos serão de caráter geral, treinamento básico para a segurança operacional, treinamento para a condução dos veículos, treinamento para acesso e permanência na área de manobras, treinamento para operação em baixa visibilidade, treinamento recorrente para os bombeiros e treinamento básico para operações.
Deverão proporcionar o conhecimento do sistema de prevenção de incursão de pista, layout da área de movimento e sistema de pistas, áreas de risco – hot spots, comunicação e fraseologia e atribuições do órgão ATS. (RBAC 153, EMD 04, p. 21 e 22).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS E REDUÇÃO DE OCORRÊNCIAS DE INCURSÃO EM PISTA
Para lidar com essas ocorrências e evitar acidentes, podemos destacar a importância do planejamento aeroportuário de forma a garantir o atendimento dos RBACs mencionados neste trabalho, bem como a promoção do treinamento específico para todos os agentes envolvidos nas operações aeroportuárias, ações operacionais efetivas em conjunto com a TWR – acordos operacionais, demarcações limítrofes a serem respeitadas, o correto funcionamento do sistema de auxílio à navegação e, não menos importante, o treinamento dos profissionais.
Parte fundamental, tanto dos treinamentos quanto das cartas do sítio aeroportuário, é que todos os envolvidos tenham total conhecimento dos limites da área protegida. A comunicação eficiente e o uso adequado da fraseologia padrão também são fatores determinantes.
Vale lembrar que estas ferramentas voltadas à prevenção de incursões em pista são relativamente recentes uma vez que, por muito tempo, o foco da segurança operacional esteve nas aeronaves em voo; apenas recentemente passou-se a dar mais importância aos eventos e operações em solo.
No Brasil, as ocorrências de incursão em pista têm sido relativamente mais frequentes (tendo-se como base as informações disponibilizadas pelo CENIPA e pela ANAC para o período entre os anos de 2013 e 2017). E, conforme tendência internacional, a maior parte das ocorrências se dá em grandes aeródromos controlados, durante o dia e em condições climáticas consideradas boas. Todavia, é importante ressaltar que isto pode ser explicado pelo fato de a maior parte das operações acontecerem nestas condições.
Como forma de evitar tais ocorrências, muitos estudos e artigos com possíveis medidas têm sido publicados. Alguns exemplos de ações preventiva que buscam a redução das incursões em pista em aeroportos:
– Aeroporto Internacional de Miami investiu USD 3.1 milhões em um sistema de segurança, como ferramentas para detecção de incursões de pistas e pistas de taxiamento. Englobou uma variedade de tecnologias, incluindo radar terrestre, câmeras digitais, software complexo de análise de alvos, além de um sistema de rastreamento remoto baseado em GPS que ajuda a acelerar o despacho de socorristas. (WYSOCKY, Ken, 2014).
– Runway Status Lights (RWSL) / Autonomous Runway Incursion Warning System (ARIWS) consiste de um sistema de vigilância independente, seja radar principal, multilateral, câmeras especializadas, radar dedicado ou alguma outra ferramenta de detecção, e um sistema de advertência na forma de sistemas de iluminação extra do aeródromo que são conectados através de um processador que gera alertas (luzes de advertência) diretamente para a tripulação de voo ou operador de veículo independente da entrada ou ação do órgão ATS.
– A Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido (UK CAA) fez um plano de ação buscando a redução das incursões envolvendo pessoas, tecnologia, melhores práticas e procedimentos com ênfase em treinamento, educação e publicidade junto à indústria (pilotos, controladores de tráfego aéreo e motoristas) voltado para a conscientização sobre o assunto – conforme artigo publicado em 2007.
Assim como a grande maioria de ocorrências aeronáuticas, incursões em pista tendem a ocorrer por uma somatória de fatores. É fundamental que se invista em infraestrutura e treinamento como forma de buscar otimizar as operações e maximizar a segurança.
Eduardo Gasparin Palermo
Arquiteto | Gestão de Projetos de Construção | Controle de Obras | Analista de Planejamento e Projeto de Aeroportos | Sustentabilidade | BIM
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