A relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante. Por Ana Cândida/AirConnected

A relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante. Por Ana Cândida/AirConnected

O projeto foi qualificado no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) há quase dois anos, em agosto de 2020

Possivelmente o primeiro projeto de concessão a ser relicitado pelo Governo Federal no contexto da Lei nº 13.448/2016, o Aeroporto Internacional Governador Aluízio Alves, situado em São Gonçalo do Amarante, Rio Grande do Norte, aguarda a análise do Tribunal de Contas da União sobre as minutas de edital de relicitação e contrato de concessão desde agosto de 2021.

O projeto foi qualificado no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) há quase dois anos, em agosto de 2020, após a atual concessionária ter aderido à relicitação e assinado termo aditivo ao contrato de concessão definindo as condições da relicitação e da prestação dos serviços até a assunção da operação pela nova concessionária.

Na sequência, foram elaborados os estudos de viabilidade e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) iniciou processo de consulta pública, após o qual as minutas de edital de relicitação e contrato de concessão foram aprovadas.

Desde então, as minutas foram remetidas para análise do Tribunal de Contas da União (TCU), não tendo havido, até o momento, decisão final da corte de contas sobre o tema.

Uma vez apreciadas pelo TCU, a expectativa é de que as minutas passem por ajustes finais pela ANAC e sejam publicadas, dando início à relicitação e – talvez ainda mais importante – abrindo espaço para as relicitações dos Aeroportos de Viracopos e Galeão.

Como Funciona a Relicitação

O processo de relicitação foi regulado pela Lei 13.448/2016, criando uma alternativa à declaração de caducidade para concessionárias incapacitadas de cumprir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas. O objetivo é permitir a devolução amigável de concessões (restrita aos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário), garantindo a continuidade da prestação dos serviços.

A iniciativa deve ser da concessionária, que para tanto deve aderir às seguintes condições: (i) renúncia ao prazo para correção das falhas, caso o processo de relicitação não seja concluído; (ii) renúncia à participação na futura licitação (havendo proibição de participação para os acionistas que tenham – ou tenham tido, em qualquer momento antes da relicitação – participação no capital votante acima de 20%; (iii) adesão à arbitragem para as questões que envolvam o cálculo das indenizações pelos investimentos em bens reversíveis; (iv) concordância com o pagamento das indenizações (descontadas as multas e os valores de outorga devidos) diretamente aos financiadores.

Além de evitar a caducidade e garantir a continuidade na prestação dos serviços, a relicitação pretende diminuir o tempo de litígio entre poder concedente e atual concessionária ao condicionar à arbitragem as discussões relacionadas ao valor das indenizações devidas.

Seu regime permite a permanência da concessionária antiga na operação dos serviços até a assinatura do contrato relicitado pela nova concessionária, suspendendo suas obrigações de investimentos, mas prevendo condições mínimas para a prestação dos serviços, em proteção ao usuário.

Os Entraves

Em decisão proferida em 27 de agosto de 2021, o Ministro Relator, Aroldo Cedraz entendeu que a documentação juntada aos autos pelo Ministério de Infraestrutura e ANAC não continha as informações necessárias à análise do tema, uma vez que:

(i) o levantamento sobre as indenizações devidas à Concessionária pelos investimentos em bens reversíveis não amortizados ou depreciados não era conclusivo;

(ii) as estimativas apresentadas tinham baixo grau de confiabilidade e não excluía os valores devidos pela Concessionária a título de outorgas e multas vencidas;

(iii) os valores devem ser calculados e auditados por empresa independente antes de quitados, sendo sua quitação condição para a celebração do novo contrato (cf. art. 15, §3º da Lei 13.448/2016);

(iv) diante da possibilidade da indenização ser superior ao VPL (valor presente líquido) da equação econômico-financeira da futura licitação, parcela do orçamento público federal deverá cobrir a diferença, dependendo de previsão orçamentária adequada;

(v) ausência de quantificação da indenização e do parecer dos auditores no momento da publicação do edital aumenta a percepção de risco dos investidores, podendo afetar negativamente os leilões.

O Ministério da Infraestrutura interpôs recurso de agravo contra o despacho, pontuando que o art. 15, §3º da Lei de Relicitações não vincula a relicitação ao cálculo definitivo da indenização, mas apenas prevê que a eficácia do contrato dependerá do pagamento da indenização.

A Possível Solução

Na tentativa de solucionar a questão e garantir a segurança jurídica necessária ao prosseguimento da relicitação, dois novos dispositivos foram inseridos na Lei de Relicitações com a edição da Lei nº 14.368/2022 (resultante da Medida Provisória nº 1.089/2021).

Os parágrafos 4º e 5º adicionados ao artigo 15 da Lei de Relicitações determinam: (i) que o procedimento de cálculo da indenização e sua conferência não obstam o prosseguimento do processo licitatório; e, ainda, que (ii) caso o valor de outorga ofertado no leilão da relicitação seja menor que o valor de indenização devido ao concessionário anterior, a União custeará a diferença, observadas as regras fiscais e orçamentárias.

A ideia é que os processos de confirmação do cálculo da indenização devida ao Concessionário atual e de relicitação tramitem em paralelo, garantindo um encontro de contas ao final.

Com as alterações, espera-se mitigar tanto os riscos dos investidores quanto do Governo Federal, finalmente destravando a agenda das relicitações e permitindo que o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante seja a primeira relicitação levada a leilão no Brasil.

Ana Cândida

Sobre Ana Cândida

Sua experiência envolve uma variedade de temas de direito administrativo e regulação, como licitações, concessão de serviços públicos e parcerias público-privadas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Ela também participou de projetos relevantes de infraestrutura relacionados aos setores de aeroportos, portos, ferrovias, saneamento básico, iluminação pública, etc. Ana é co-fundadora do Infra Women Brazil, professora do MBA PPPs da FESPSP e London School of Economics, além de professora convidada do curso de pós-graduação em infraestrutura da FGV/SP – Educação Executiva.

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¹ Decreto nº 10.472/2020 (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10472.htm)

² Consulta Pública nº 2/2021 (Disponível em: https://www.anac.gov.br/acesso-a-informacao/reunioes-da-diretoria-colegiada/reunioes-deliberativas-da-diretoria/2021/5a-reuniao-deliberativa-da-diretoria-colegiada/00058-006815-2021-70/aviso-de-consulta-publica-no-2-2021)

³ Embora não haja determinação legal expressa sobre a obrigatoriedade de análise prévia dos editais pelo TCU, o Governo Federal tem adotado tal procedimento no desenvolvimento dos projetos de infraestrutura/desestatização qualificados no âmbito do PPI, em interpretação sistemática do art. 18 da Lei do Programa Nacional de Desestatização (Lei Federal nº 9.491/1997) c/c art. 41, I, “b” da Lei Orgânica do TCU (Lei Federal nº 8.443 de 1992), art. 1º, XV do Regimento Interno do TCU e a Instrução Normativa TCU nº 81/2018.

⁴ Atualmente há dez projetos de concessão na fila para a relicitação, sendo 3 aeroportos.

⁵ Processo 028.391/2020-9.

Fonte:

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Portal AirConnected

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