Porque preciso conhecer sobre o AQP. Por Cmt Stolt

Porque preciso conhecer sobre o AQP. Por Cmt Stolt

O Advanced Qualification Program possibilitou uma flexibilização regulatória maior na hora de desenvolver um programa de treinamento voltado para a realidade de cada organização

O treinamento de pilotos na aviação comercial sempre foi fator crítico, destinando-se ao tema, muita pesquisa e investimentos com a finalidade de aprimorar a segurança e a eficiência das operações. Tecnologias, métodos, e processos foram e são desenvolvidos para treinar pilotos a trabalhar em ambientes de alta complexidade e confiabilidade. Apesar do Advanced Qualification Program (AQP) não ser muito estudado e utilizado no Brasil, é importante para quem trabalha com treinamento de profissionais da aviação, e especificamente treinamento de pilotos, ter uma noção sobre essa metodologia, seu significado para a indústria de treinamento, e seu legado até os dias atuais.

UM POUCO DE HISTÓRIA

A partir dos anos 70 e 80, com muitos estudos na área de fatores humanos aplicados a aviação, e, com a introdução de novas tecnologias de treinamento (principalmente os simuladores avançados), ficou evidente para a FAA e demais players da indústria de treinamento que novos métodos e legislação precisavam ser criados para treinar pilotos de linha aérea. Os métodos até então conhecidos, em geral mais “reativos” por esperarem alguma falha no treinamento ou na operação, para depois serem corrigidos, estavam apresentando limitações diante de novos estudos e da própria evolução tecnológica.

Em 1987, a FAA coordenou um debate envolvendo diferentes partes da indústria da aviação para tratar do desempenho dos tripulantes.  Foi criada uma Força-Tarefa entre os envolvidos, a qual foi dividida em três principais grupos de trabalho: interface homem x máquina, treinamento de tripulantes, e ambiente operacional.  No ano seguinte, (1988) foram apresentadas as recomendações, dentre as quais destacaram-se:

– Estabelecer um Regulamento Especial de Aviação Federal (SFAR) e Advisory Circular (AC) para permitir o desenvolvimento de programas de treinamento inovadores.

– Exigir que todo o treinamento fosse realizado por meio de um programa de treinamento do detentor de certificado.

– Providenciar a aprovação de programas de treinamento com base no conteúdo do curso e auxílios de treinamento em vez de horas programadas especificadas.

– Exigir treinamento em Gerenciamento de Recursos da Tripulação e incentivar maior uso do LOFT.

Posteriormente, estudos dos anos 90 indicavam que empresas que já aplicavam o CRM estavam apresentando redução dos índices de acidentes/incidentes quando comparadas com empresas que ainda ao aplicavam tais cursos para seus tripulantes.

Com isso, a importância do CRM foi reforçada e a pressão por novos métodos de treinamento que o integrassem nas organizações passou a crescer fortemente, resultando na criação do SFAR 58  (Special Federal Aviation Regulation), que tratava dos requisitos e qualificações necessárias para as empresas implementarem o Advanced Qualification Program e para utilizarem o LOS (Line Operational Simulator), este último com objetivo de usar simuladores avançados para treinar condições similares aos voos reais das companhias aéreas.

Após vários anos de utilização dos requisitos e abordagens definidos no SFAR 58, bem como a observação dos seus resultados, foram alterados o FAR 121, subparte Y (para empresas aéreas) e o FAR 135 (taxi aéreo, ligações sistemáticas), adequando-os para a aplicação do AQP.  Também foi criada a AC 120-54 (advisory circular), tratando especificamente sobre requisitos e implantação do AQP.

PROPOSTAS DO AQP

O Advanced Qualification Program possibilitou uma flexibilização regulatória maior na hora de desenvolver um programa de treinamento voltado para a realidade de cada organização, de forma que o nível de qualidade e segurança fosse equivalente ou superior ao modelo de treinamento tradicional de pilotos. As principais características do AQP são:  programa é desenvolvido usando uma metodologia sistemática; é um meio alternativo voluntário, mas que é incentivado pela FAA; se baseia em dados; é obrigatório o cumprimento dos requisitos regulatórios tradicionais do FAR 121 e 135, sendo aprovadas mudanças que venham a incrementar além dos requisitos, a qualidade do programa. A melhoria do programa é baseada, além dessas características, na avaliação dos tripulantes, integração do CRM, horas planejadas por proficiência e treinamento baseado em cenários.

Na fundamentação do programa existe um padrão de condutas e normas a serem seguidas, os chamados “Princípios”, que consistem primeiramente na participação voluntária das organizações em se tornarem detentoras do certificado de um programa AQP. Além disso, o modelo de treinamento tem seu desenvolvimento realizado de modo sistemático, de forma que haja uma sequência de auditorias (fiscalizações) relacionadas a cada requisito e coleta de dados necessária para o controle e validação de todos os processos.

A FAA pontua como principais objetivos do Advanced Qualification Program: o apoio às operações seguras, visando o melhoramento contínuo do treinamento e da avaliação dos tripulantes e, consequentemente, fazendo o papel de um programa mais responsivo às mudanças e necessidade de melhores práticas relativas a esses processos. Além disso, o AQP busca incluir a inovação tecnológica das aeronaves, dos ambientes das operações e dos novos métodos e equipamentos de treinamento.

DESENVOLVIMENTO DO AQP

O Advanced Qualification Program tem a sua construção constituída por 5 fases que são necessárias para desenvolver, implementar e manter o programa ativo na organização. O avanço de cada fase e processo depende diretamente da análise, orientação e aprovação da Federal Aviation Administration, que é o órgão regulador do programa e dita se o portador do certificado AQP seguirá para uma próxima fase ou não.

As 5 fases do Advanced Qualification Program

Na fase de Aplicação (Fase 1), o foco é a manifestação voluntária de interesse por parte do requerente para com os setores responsáveis da FAA. É basicamente o seu processo de inscrição no programa, em que o possível detentor do certificado envia a solicitação de inscrição via documentação oficial, recebe retorno por parte do órgão regulador e inicia-se o processo. Esse período abrange reuniões informativas e expositivas dos propósitos do AQP, seus requisitos, do que se trata e fornece ao requerente uma visão geral do programa. Nessa etapa também são abordadas diversas descrições de dados referentes à empresa e a todo cenário em que ela funciona e opera, como por exemplo: descrição do ambiente operacional, descrição e localização do equipamento de treinamento, descrição das instalações, entre outros. Além disso, são determinadas as funções que cada pessoa vai exercer dentro da equipe, que é formada voltada à aplicação do Advanced Qualification Program na empresa.

Na fase de Desenvolvimento do Currículo (Fase 2), é abordada a construção dos currículos de treinamento para as determinadas funções, como treinamento para pilotos, despachantes, avaliadores, instrutores etc. Essa fase é dividida em cinco estágios diferentes que são representados por cinco documentos respectivamente importantes: A Análise de Tarefas de Trabalho, os Padrões de Qualificação, a Metodologia de Desenvolvimento de Sistemas Instrucionais, os Esquemas Curriculares e o Plano de Implementação e Operações. Nessa fase é levantada toda a estrutura documental necessária para o monitoramento do programa, tendo em vista que esse é o diferencial do modelo AQP para o modelo tradicional de treinamento dos pilotos. Essa estrutura inclui definições de conceitos que visam organizar cada parte de forma clara, objetiva e funcional. São conceitos como o que vem a ser uma tarefa, um trabalho, uma função, uma subtarefa, um elemento, entre outros. Um currículo AQP é dividido por Segmentos de treinamento, Módulo, Lições e demais denominações que vão sendo aprofundadas cada vez mais para que seja cada vez mais específico o objetivo a ser alcançado e o que se espera dentro de cada seção do treinamento, assim como também seu modo de avaliação, sempre tendo como base a análise e monitoramento dos dados obtidos desde a entrada dos pilotos dentro do programa AQP. É justamente nessa etapa do processo que é planejada a integração do CRM nas operações, o uso do LOS (Line Operational Simulation) para realizar uma simulação cada vez mais próxima da realidade. Também são avaliados os objetivos a serem alcançados na observação das competências técnicas e não-técnicas dos pilotos. É obrigatório dentro do AQP que o treinamento seja feito com a tripulação em formação adequada ao tipo do voo, como se realmente estivessem em uma situação real. Nessa parte também são descritos as funções, treinamento, validação e avaliação dos instrutores que forem se dispor a participar do programa, assim como é descrito como irá funcionar a coleta, análise, gerenciamento e uso dos dados obtidos no AQP.

Após a aprovação do currículo, entra-se na Implementação e Experimentação com pequenos grupos (Fase 3), em que é abordado todo o esforço por parte do detentor do certificado em criar um ambiente favorável ao aprendizado e recursos para a aplicação do currículo. De acordo com a FAA, essas atividades incluem o desenvolvimento de material didático para implementar o(s) currículo(s), treinamento de instrutores e avaliadores, realização de testes em pequenos grupos, revisão de programas e envio de dados. É feita a aplicação do programa com alunos e equipe reais, sendo mandatório o envio dos dados coletados para a FAA mensalmente, visando uma análise e avaliação do desempenho da organização. Após a apresentação desses dados e as revisões necessárias realizadas, tem-se a aprovação do Advanced Qualification Program para as operações iniciais na empresa, ou seja, ainda terá um período de avaliação e testes até que seja autorizado a sua operação contínua.

Na fase das Operações Iniciais (Fase 4) é quando ocorre a fase de implementação inicial do AQP de acordo com o modelo e currículo aprovados anteriormente, em que pode chegar a durar, de acordo com a FAA, até 24 meses.

Na última etapa do desenvolvimento tem-se a aprovação para Operações Contínuas (Fase 5), que pode ser resumida como a fase na qual o requerente continua a operação do AQP, a menos que a FAA retire a aprovação ou a menos que o requerente retire ou modifique o AQP. Esta fase requer a manutenção da documentação aprovada pelo AQP e documentação atualizada dos requisitos de dados para todos os currículos. Visando padronizar um processo de gerenciamento de qualidade, ao final desta etapa, é reforçado o contínuo envio dos dados, documentações e informações sobre a utilização do Advanced Qualification Program na organização.

Após todas as fases de desenvolvimento do AQP, existe a fase de manutenção da qualidade dos programas, buscando cumprir com um dos seus principais objetivos: ser uma alternativa segura para adequar-se eficientemente ao cenário complexo e dinâmico das operações. Essas demandas cobradas pela FAA são, inicialmente, os Relatórios Anuais, em que o detentor do certificado tem obrigação em elaborar e enviar, bem como as reuniões anuais com a FAA, nas quais são discutidos os dados apresentados, métodos de obtenção dos dados, tendencias na operação, programas de avaliação dos instrutores, propostas de revisões futuras do programa, etc.

LEGADO DO AQP

Um dos pontos a destacar é como o AQP facilitou o treinamento de habilidades técnicas e não técnicas para pilotos, facilitando a integração do treinamento dessas habilidades. Além disso, os currículos de treinamento passaram e ser mais específicos para cada marca e modelo de aeronave, bem como passou a deixar mais claro as fases do treinamento, especificando os currículos de doutrinação, qualificação, e qualificação continuada, bem como o detalhamento dentro de cada currículo em segmentos, módulos e lições.  Também passou a dar grande ênfase a importância dos instrutores e avaliadores como parte importante para a implantação e continuidade do AQP dentro das empresas.

Importante lembrar que o AQP já tem décadas de utilização, e que por isso mudanças no treinamento que essa metodologia trouxe já foram incorporadas nas práticas e regulamentações atuais, o que talvez dificulte a percepção de como essa metodologia foi inovadora para a época que foi implementada.  Isso é fácil de ser constatado quando observamos (na realidade brasileira) as definições e exigências para treinamento de pilotos contidas na legislação da ANAC, especificamente os RBACs 121 e 135 e a IS 00-10 (que trata do CRM).  Vários dos conceitos e abordagens de treinamento aqui empregados derivam dos estudos e dos resultados obtidos com a aplicação do AQP.

Os esforços para desenvolver e implementar o AQP foram importantíssimos para o setor de treinamento de profissionais da aviação, especialmente para pilotos de linha aérea.  O uso dessa metodologia permitiu integrar o treinamento de habilidades técnicas e não técnicas, o uso de simuladores, o LOFT, a abordagem por competências, entre outros aspectos. Logicamente, outras abordagens e estudos foram desenvolvidos posteriormente, aprimorando pontos no treinamento de pilotos, porém, o legado no desenvolvimento dessa metodologia tem seus efeitos até hoje.  Não é a toa que muitas empresas aéreas nos EUA e em outros países utilizam o AQP ate hoje em dia.

Texto baseado na monografia da aluna Vivian Xavier Cavalcante do curso de Ciências Aeronáuticas da UNIFACISA/ESAC.

Unifacisa - Centro Universitário

Sobre a UNIFACISA/ESAC

A Escola Superior de Aviação Civil (ESAC) é reconhecida pelo MEC como excelência de ensino, possui conceito máximo (nota 5) em avaliação do Ministério. Nossa estrutura dispõe de um simulador AATD, com 30 horas de voo (incluídas na mensalidade), abatendo 20 horas de voo em avião real, de acordo com o regulamento da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. O Bacharelado em Ciências Aeronáuticas é homologado para oferecer os cursos teóricos de Piloto Privado (PP), Piloto Comercial (PC) e é o único na região a ter homologado o curso teórico de Piloto de Linha Aérea (PLA). Além disso, possui uma biblioteca exclusiva, sala de navegação aérea, laboratórios de informática, física, técnico de motores, sala de simuladores e cinema didático

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