O Piloto e o Dominó. Por Cmt.Stolt

O Piloto e o Dominó. Por Cmt.Stolt

Existem várias outras visões sobre gestão da segurança e do erro humano que são mais úteis para a aviação e que precisam ser mais conhecidas e debatidas pelos profissionais do setor para saber quando utilizá-las.

Desde o início da formação de piloto somos treinados sobre tecnologias, processos, conhecimentos e habilidades, tudo para ser usado em prol da segurança e eficiência. Uma das primeiras lições ensinadas nos aeroclubes ou escolas de aviação é que um acidente aéreo ocorre devido a uma sequência de eventos e que não possuem uma única causa. Algumas escolas até mencionam uma “tal relação entre incidentes e acidentes”, e que se diminuirmos os números de incidentes diminuiremos o número de acidentes. Aprendemos isso de maneira progressiva, ouvindo professores, instrutores e “pilotos experientes”, e ao final de nossa formação inicial acabamos incorporando esse conceito. Se você já trabalha como piloto ou está fazendo sua formação irá entender o que estou dizendo.

Mas você sabe de onde vem essa visão das causas de um acidente?  Vem dos estudos de Herbert W. Heinrich, um engenheiro que há mais de 90 anos atrás pesquisou as causas do erro humano no ambiente das indústrias e propôs uma forma de evitá-los (Teoria do Dominó).

Aí você deve estar se perguntando:  mas ele propôs isso para a aviação? Não, ele investigou acidentes industriais os quais não tinham relação com a aviação. Você deve estar se perguntando novamente:  mas o trabalho dele é válido para a aviação? Existem estudos ou pesquisas para saber se as ideias de Heinrich se aplicam ao ambiente complexo da aviação? Não, não existem esses estudos (se alguém souber, favor me avisar).

Ocorre que as ideias dele foram muito uteis naquela época e ajudaram a diminuir os acidentes em diferentes tipos de indústrias. Naturalmente e com o passar do tempo elas migraram para a aviação, e mesmo com várias limitações ajudaram a “explicar” (vou resumir assim) vários acidentes na aviação.  O que ninguém fala é que elas têm limitações, seja por não terem sido desenvolvidas para a aviação e também por não considerarem os conhecimentos sobre gestão de risco em sistemas complexos, conhecimentos estes bem posteriores as ideias de Heinrich.

 Então, novamente você deve estar se perguntando:  como assim? Todo mundo fala isso, já vi textos e até “especialistas nas redes sociais” falando isso. Pois é, infelizmente isso ocorre.  Porém, o que todos fazem é repetir o que ouviram, não se perguntando nem um pouco se isso faz sentido e até que ponto faz o voo mais seguro.

Existem várias outras visões sobre gestão da segurança e do erro humano que são mais úteis para a aviação e que precisam ser mais conhecidas e debatidas pelos profissionais do setor para saber quando utilizá-las. Se os profissionais da aviação querem realmente se tornar mais seguros e eficientes precisam deixar de repetir a ideia de “cadeia de eventos” e passar a conhecer e trazer para o dia-dia os conceitos de outras metodologias, tais como:  modelo de Gerenciamento de Ameaça e Erro (TEM/LOSA), as ideias sobre Organizações de Alta Confiabilidade (HRO), o próprio modelo Reason, treinamento sobre competências, entre outros. Se fizermos isso, aos poucos iremos substituir conceitos ultrapassados por abordagens mais novas e que possam realmente agregar segurança na nossa operação. Fazendo isso com calma e avaliando o que dá certo ou não, poderemos ser ainda mais eficientes na gestão da segurança.

No início do texto eu falei da formação de pilotos.  Mas o mesmo raciocínio se aplica para os demais profissionais da aviação: comissários, mecânicos, agentes de aeroporto, controladores de voo, e vários outros. Quem pode efetivamente agregar valor à segurança e consequentemente à imagem que a aviação tem junto a sociedade são todos os profissionais que nela trabalham.

Então faço um convite:  vamos jogar menos dominó com Heinrich e conhecer boas abordagens para gestão da segurança e gerenciamento do erro.

Bons voos e voem com lucidez!!

Sobre Cmt. Stolt

Roberto Stolt

A320/321 Captain, Human Factors/CRM Instructor, LOSA Observer

linkedin.com/in/roberto-stolt-70a29b7

Fotos CIAC Aeroclube de Santa Catarina

 

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